segunda-feira, 23 de agosto de 2010

E A IMPUNIDADE CONTINUA...



Réu confesso no assassinato de Sandra Gomide, o então diretor de redação de “O Estado de S. Paulo” ficou menos de 7 meses preso




Sandra Gomide foi assassinada em agosto de 2000
No dia 20 de agosto de 2000, o então diretor de redação do jornal "O Estado de S. Paulo" Antonio Marcos Pimenta Neves matou com dois tiros pelas costas a repórter do jornal Sandra Gomide, de 32 anos, em um haras em Ibiúna. Algumas semanas antes ele havia sido abandonado por Sandra, que era também sua namorada. Pimenta Neves confessou o crime, foi condenado em 2006 a 19 anos de cadeia em um júri popular (pena reduzida para 18 e depois 15 anos), mas passou menos de sete meses na prisão.

Passados quase 10 anos do assassinato de Sandra, especialistas e advogados que participaram do caso creditam a impunidade do jornalista a dois fatores: a lentidão da Justiça e a legislação penal anacrônica brasileira. No início de agosto o caso finalmente chegou às mãos do ministro Celso de Mello, relator do processo no Supremo Tribunal Federal (STF), que pode a qualquer momento decidir se aceita ou não o recurso da defesa de Pimenta, que pede a anulação do julgamento realizado em maio de 2006.
Para o Ministério Público e os advogados da família de Sandra, a decisão do STF pode ser o último passo do emaranhado de recursos e apelações que garantem ao assassino viver em liberdade durante 10 anos embora condenado. Já o pai de Sandra, João Gomide, não tem esperança de ver o criminoso atrás das grades.

Embora tenha embasamento jurídico, a situação de Pimenta contraria a lógica. Ele se beneficia da presunção da inocência para continuar solto apesar de ser um réu confesso. Ou seja, não existem dúvidas quanto à sua culpa mas a Justiça ainda o considera inocente até que não exista mais possibilidade de apelação.

Pimenta Neves foi preso em 3 de setembro de 2000, logo depois de cometer o crime, e solto em 23 de março de 2001 graças a um habeas corpus do mesmo ministro Celso de Mello que lhe conferia o direito de aguardar em liberdade o julgamento, que só aconteceria em 2006 devido a protelações da defesa e à lentidão do Judiciário.

Em 13 de dezembro daquele ano o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a condenação e determinou a prisão do jornalista. Ele foi considerado foragido da Justiça por três dias até que no dia 16 de dezembro a ministra Maria Thereza de Assis Moura, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), concedeu novo habeas corpus, desta vez baseado na presunção da inocência.

A tendência de manter o réu em liberdade até que o caso transite em julgado começou no início da década de 2000 no STF e se transformou em jurisprudência que agora também é seguida pelo STJ. A ideia é impedir a injustiça de colocar na cadeia alguém que, em última instância, pode ser considerado inocente. "Isso é até louvável, mas não no caso de um assassino confesso. Falta sensibilidade aos tribunais superiores. Como um réu confesso pode ser presumidamente inocente?", questionou o promotor do caso, Carlos Sérgio Rodrigues Horta Filho.



Pimenta deixa a cadeia acompanhado de advogados no dia 23 de março de 2001 depois de passar sete meses preso (Foto AE)
Lentidão da Justiça
A partir de então o caso entrou em um labirinto de recursos especiais e extraordinário, apelações, embargos, agravos regimentais, agravos de instrumentos, enfim, todo o arsenal que a legislação brasileira oferece para protelar o cumprimento da sentença.
No final de julho o Ministério Público Federal deu parecer contrário à defesa de Pimenta e o processo foi finalmente remetido para o ministro Mello. Para se ter uma ideia de como o processo desviou do objetivo principal, o nome de Sandra e o crime do qual ela foi vítima não são nem sequer citados no parecer do MPF.

Em agosto de 2009 a situação era descrita no site do STF pela sigla "EDCL no AGRG nos ERESP". Traduzindo: embargos declaratórios no agravo regimental nos embargos do recurso especial. Tudo isso foi negado pela Justiça. Depois a defesa protocolou um recurso extraordinário que finalmente será julgado pelo STF. Os advogados de Pimenta alegam irregularidades no julgamento como a proibição de um depoimento por vídeo gravado (o que impede a acusação de contestar as afirmações do depoente) e a ausência de uma testemunha que vive nos EUA e serviria apenas para reafirmar a idoneidade de Pimenta Neves.

A ação movida pelo pai de Sandra pedindo indenização a Pimenta também está longe do fim. O jornalista foi condenado a pagar R$ 166 mil mas seus advogados recorreram. O caso ainda não foi julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e ainda pode ir para o STJ e o STF.
"Se até hoje ele não propos um acordo é porque pretende recorrer muitas vezes. Este caso ainda vai para a terceira instância", disse o advogado Fábio Barbalho Leite.

O defensor do jornalista, José Alves de Brito Filho, se recusou a comentar o caso. Ele também se negou a intermediar um pedido de entrevista com Pimenta Neves. "Ele não dá entrevista nem para Deus", disse o advogado. O iG foi quatro vezes até a casa do jornalista que nem sequer abriu a porta.

Impunidade de Pimenta Neves
Outros profissionais que participaram do caso se dividem quanto às causas da impunidade de Pimenta. Alguns acusam o sistema em si e seus infinitos recursos. Outros, à lentidão dos tribunais. "Embora existam todos estes recursos, quando houve vontade da Justiça o caso andou. O problema é a lentidão. O processo ficou seis anos aguardando julgamento no Tribunal de Justiça. Ninguém fica seis anos esperando julgamento preso. Ele está se aproveitando dos recursos que tem direito. O que não pode é demorar tanto para julgar", disse o advogado Sergei Cobra Arbex, assistente da acusação.
Ricardo Galhardo, iG São Paulo

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